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APRESENTAÇÃO 

As experiências missionárias sempre foram fonte da história do processo evangelizador da Europa para outros continentes. Porém, desde 1970 elas têm se tornado objeto de pesquisa desde que etnógrafos e antropólogos passaram a estudá-las como possibilidade de entender a ação missionária nos lugares onde foi desenvolvida, bem como os processos de mediação e as perspectivas que dela derivaram, os trabalhos missionários pelo mundo e o espaço simbólico do embate entre culturas (Comaroff, 1985; 1991).

        

Entendidas como fontes primordiais para se compreender o universo construído entre africanos e europeus, as fontes missionárias recuperam as narrativas sobre a África pré-colonial, colonial e pós-colonial e os diversos modelos missionários que atuaram nos territórios. Essa rica vivência compreendeu a formação de instituições clericais e laicas e a forte influência sobre os dois grupos. A presença missionária em África se iniciou ainda com o processo de expansão português apoiado por um conjunto de documentos pontifícios como a Bula Romanus (1455) e a Bula Inter Coetera (1456). Ambas bulas davam ao rei a autoridade religiosa para criar igrejas e mosteiros e enviar missionários aos territórios ultramarinos. Assim, as missões religiosas aconteceram paralelamente ao período da exploração comercial.

A partir do século XVII, o processo de missionação foi intensificado e o trabalho missionário atuou na conversão dos chefes e reis africanos que viriam a ser parceiros do governo português, como foi o caso da rainha Nzinga, batizada em 1622, que adotou o nome cristão de Ana de Souza. Contudo, a vivência entre grupos tão distintos como europeus e africanos implicava também uma forma de conversão por parte dos europeus que se dirigiam à África, uma vez que para uma melhor aceitação por parte dos povos locais era preciso se integrar a seus costumes. Esse longo processo de negociação foi transcrito nas narrativas missionárias e passou a ser valorizado como fonte de pesquisa pelos estudos da antropologia a partir da década de 1970. Diversos estudiosos como John e Jean Comaroff (1985; 1991), Wyatt MacGaffey (2005) e John Thornton (2004), entre outros, passaram a reconhecer as fontes como importantes espaços para o estudo da vida em África.

Estudos como os de John Thornton (2004) auxiliaram a compreender a criação do catolicismo africano e seus diversos entendimentos entre os diferentes grupos étnicos. Além disso, o autor aponta para o “espontaneismo” e do “protagonismo africano”, que dá uma ideia da autonomia no processo de conversão. Por outro lado, o esforço do clero em se aproximar das culturas locais levou seus membros a aprender as línguas locais e a traduzir formas ritualísticas, trabalho que foi iniciado pelos jesuítas ainda no século XVI.

           

O empreendimento religioso exigiu o esforço de muitos elementos, e a pesquisa na documentação permite perceber a presença de diversas ordens e nacionalidades entre o clero atuante. Atuaram nesse processo não apenas os clérigos portugueses, mas também espanhóis e italianos, entre outras nacionalidades. Tal presença não se dava apenas devido ao propósito de converter povos localizados em outros lugares do globo, mas tinha alguns direcionamentos, como a regulamentação pelo regime do Padroado. Outras ordens, como a dos Capuchinhos eram motivadas também por questões políticas como o rompimento da União Ibérica em 1640 e excomunhão da Igreja Portuguesa pelo papa, que levou Filipe II da Espanha, na tentativa de manter o exercício do Padroado da Coroa Portuguesa que perdera, a promover a vinda dos Capuchos italianos a partir da Espanha para os territórios de presença portuguesa como Angola e Congo.

           

Junto com o percurso da história missionária portuguesa se desenvolveu com bastante ênfase no final do século XVIII e ao longo do século XIX uma ação missionária mais ampla e efetiva das nações europeias que se colocava subordinada à Propaganda Fide.. Para essa ação missionária buscou-se uma centralidade das missões africanas no caminho de renovação da Igreja Católica à luz das transformações das relações entre Igreja e Estado que vieram com a Revolução Francesa. Assim, desenvolveram-se diversos projetos que propunham o enraizamento efetivo da ocupação cristã do continente, alterando as condições da civilização material e propondo novas formas de se pensar o clero nativo. Um dos projetos mais destacados do missionarismo no século XIX foi o da  ‘regeneração da África pela África’ do antigo Vigário Apostólico da África Central, Dom Antonio Daniele Comboni (Santos, 2002).

Para esse prelado, o clero nativo deveria ser o condutor da Igreja em África, promovendo o enraizamento do evangelho ao conjugar nas suas ações as atividades missionárias com a expansão do ensino superior. Além disso, a hierarquia eclesiástica deveria ser estruturada dentro dos quadros locais. O sucesso evangelizador seria medido não só pela adesão das elites africanas, mas sobretudo pelas transformações das condições materiais e pelo surgimento de uma camada de profissionais liberais, políticos e militares que fossem cristãos originários dos espaços das missões.

           

Iniciativas em torno do enraizamento da presença cristã tiveram que lidar com as injunções dos processos coloniais empreendidos pelas nações europeias. Tal dinâmica, marcada por fortes tensões dentro da própria Igreja, levou a projetos que se distanciavam da subordinação ao estado colonial ou pudessem ser concorrentes a ser obliterados, como ocorreu no caso de Comboni e seu projeto para a evangelização da África Central.

           

O esforço de se monumentalizar a experiência foi tão importante quanto o da ação evangelizadora. Essas instituições arquivísticas, museus missionários e estudos elaborados na área da Missiologia, da História e das Ciências Sociais contribuíram para criar um campo de pesquisa bastante rico, além de acervos de grande importância que permaneceram mesmo com o fim do colonialismo e a expulsão de diversas congregações missionárias da África, chegando até os dias atuais.

 

Essas instituições enfrentam hoje o dilema do que fazer com os grandes acervos que possuem, mas que remetem a uma fase da história contemporânea da Igreja em que lidar com a herança da época colonial é algo ainda muito incômodo, pois fazem parte de um ‘passado que se quer esquecer’.

           

O universo das missões cristãs protestantes na África produziu diversos relatos que se encontram nos arquivos privados e universitários, como no caso da Church Missionary Society e nos convidam a pesquisa e ao diálogo com as demais experiências de missionação.

           

Devido a importância histórica do estudo das histórias missionarias propõe-se o presente colóquio que visa a contribuir para uma discussão epistemológica das percepções das diferentes agencias e projetos missionários e que busca junto com isso proporcionar uma discussão sobre os arquivos das missões africanas e seus acervos.

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